domingo, 27 de novembro de 2022

Eu comigo mesmo


O que você tem feito de bom?
Está aí uma boa pergunta.
Sinceramente, não sei responder.
É que não sei o que é bom.
Bom para quem?
Talvez para quem receba a minha bondade.
Mas será que seria bondade?
O que de bom você faria que não fosse para
receber algo em troca?
Não sei.
Mas será que eu faço isso?
Claro que faz.
Mas, então não é bondade.
É uma troca.
Ora, troca de bondades.
Dou uma e recebo outra.
Mas isso é justo? Não é hipocrisia?
Acho que não. Troca justa.
Então, o que tem feito de bom?
Sabe que eu não sei. Depende do que é bom.
Bom para quem? Para mim ou para quem recebe?
Para os dois.
Acho mesmo é que preciso parar de conversar sozinho.

As pedras

No meio do caminho tinha uma pedra.
Drummond já falou isso.
Mas também disse que havia uma pedra no meio do caminho.
Interessante é que ele avisou que havia uma pedra.
O poeta escreveu que nunca esqueceria disso.
Claro, muito difícil esquecer uma pedra no caminho!
Eu também não esquecerei que no caminho havia uma pedra.
Pior: o caminho agora tem mais pedras que antes.
Há pedras no caminho, não as de Drummond, mas as minhas.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Qualquer um é mais importante que um sabugo

 

Tentei pensar como seríamos sem os outros.
Não como se sozinho fôssemos no mundo.
Mas, sem a satisfação que damos até no pensar.
Nada fazemos sem imaginar o que dirão os outros.
Até para os pensamentos, imaginamos o juízo que farão.
Nada fazemos para apenas nós mesmos.
Tudo é feito para alguém dar nota, por mais
que fujamos dessa realidade.
Não nos vestimos para nosso juízo,
vestimo-nos para os gostos alheios, pois a moda
não nos pertence.
Até o penteado é ditado por quem nos vê, não
para nossos olhos ao espelho.
Não fazemos selfies para a intimidade.
Tiramos retratos para sermos vistos por alguém, para sermos admirados, por mais que a consciência não reconheça.
A foto que mostra o que realmente somos é deletada.
Ficam apenas as que mostram o outro de nós
que gostaríamos ser.
Não escrevemos para nos atirar pedras. Nos descrevemos
para ressaltar nossos orgulhos. Não demonstramos a unha
suja do pé, mas o sapato bem lustrado.
Não destacamos as contas atrasadas, mas as compras
que acabamos de fazer.
Não falamos dos tombos que levamos,
mas colocamos em evidências as vantagens
que inventamos.
Não escrevemos para fazer leitura amanhã. Colocamos
em letras o que imaginamos que os outros vão gostar.
Esse é o desafio da vida.
Pior se estivéssemos felizes com o que somos,
porque se assim fosse, não haveria prazer
em mentir para nós mesmos, imaginando
que todo mundo acredita.
Como bem disse Carl Turdey: “Qualquer um
é mais importante que um sabugo”.
Não sei quem é esse Carl, mas foi o nome mais legal
que me ocorreu para não assumir
uma frase idiota.
Clóvis de Almeida