quinta-feira, 28 de abril de 2022

Aqui é bom, mas, além do horizonte...

 

Não há como ver a si próprio por inteiro sem estar do lado de fora. Isso é impossível, pelo menos nos moldes naturais conhecidos, mas, é possível analisar nossa casa se olharmos pelo outro lado da rua. Se tivermos visão da esquina, sendo mais longe, é melhor ainda. Enquanto estamos dentro do casulo, não há como ver as rachaduras na pintura nem a trinca do beiral ou do muro. Também não há como sentir a falta do aconchego que nossa casa nos oferece.

Da mesma forma, não é possível avaliar a comunidade em que moramos ou a cidade em que vivemos, com seus defeitos e virtudes. Enquanto dentro, é mais fácil ver os problemas, porque, o que nos incomoda é mais rapidamente perceptível do que tudo o que nos dá prazer.

Uma vez fora da barra da saia do dia a dia do nosso habitat, esquecemo-nos por inteiro dos calos que nos irritam, mas não há como deixar de lembrar nem mesmo das pequenas coisas que afagam a alma, detalhes que são impossíveis de se ver do lado de dentro. É de longe que no faz falta a velha e conhecida árvore na calçada, que tantas vezes passamos por ela sem jamais lhe dar uma olhada de bom dia. O muro sujo do vizinho nunca foi tão bonito como agora. Nas lembranças, o vento da manhã é muito mais fresco e bom como em nenhum outro lugar. O sol tem luz e a lua é mais clara, o verde é mais verde e o canto dos pássaros são cânticos de ninar, até mesmo o roncar das pombas que, de dentro do casulo era incômodo, agora faz falta como complemento nas notas musicais do bem-te-vi na mangueira do quintal. Só quem está longe é que pode avaliar o próprio chão.

Pode parecer sentimentos piegas, momentos saudosistas de quem não esquece a terra que lhe deu guarida por tantos anos. Mas é assim com todo mundo. O umbigo se entrelaça com os arredores em que tecemos nossas teias, fazendo mais, fincando raízes que jamais são arrancadas quando partimos. Sempre fica um naco para fazer elo com as boas lembranças.

Mas se é preciso ir, que se vá, mesmo que não tenha volta. O que importa são os ecos do que deixamos, eles vão bater e rebater nos paredões do tempo, nos chamando de volta, mesmo que nossos ouvidos sejam moucos e façam pouco, pois, por melhor que tenha sido, novos muros querem ouvir nossa existência e terras virgens esperam que finquemos raízes. É a lei da vida e, quem fica parado é poste. Não há como saber o que há além das águas se não levantarmos âncora e partir para além do que nossos olhos ou imaginação consegue ver, e, como já disseram Roberto e Erasmo, além do horizonte deve ter algum lugar bonito pra viver em paz...

Por Clóvis de Almeida 2014/2022

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