Não há como ver a si próprio por inteiro sem estar do lado de fora. Isso é impossível, pelo menos nos moldes naturais conhecidos, mas, é possível analisar nossa casa se olharmos pelo outro lado da rua. Se tivermos visão da esquina, sendo mais longe, é melhor ainda. Enquanto estamos dentro do casulo, não há como ver as rachaduras na pintura nem a trinca do beiral ou do muro. Também não há como sentir a falta do aconchego que nossa casa nos oferece.
Da mesma forma, não é possível avaliar a comunidade em que
moramos ou a cidade em que vivemos, com seus defeitos e virtudes. Enquanto
dentro, é mais fácil ver os problemas, porque, o que nos incomoda é mais rapidamente
perceptível do que tudo o que nos dá prazer.
Uma vez fora da barra da saia do dia a dia do nosso habitat,
esquecemo-nos por inteiro dos calos que nos irritam, mas não há como deixar de
lembrar nem mesmo das pequenas coisas que afagam a alma, detalhes que são
impossíveis de se ver do lado de dentro. É de longe que no faz falta a velha e
conhecida árvore na calçada, que tantas vezes passamos por ela sem jamais lhe
dar uma olhada de bom dia. O muro sujo do vizinho nunca foi tão bonito como
agora. Nas lembranças, o vento da manhã é muito mais fresco e bom como em
nenhum outro lugar. O sol tem luz e a lua é mais clara, o verde é mais verde e o
canto dos pássaros são cânticos de ninar, até mesmo o roncar das pombas que, de
dentro do casulo era incômodo, agora faz falta como complemento nas notas
musicais do bem-te-vi na mangueira do quintal. Só quem está longe é que pode
avaliar o próprio chão.
Pode parecer sentimentos piegas, momentos saudosistas de
quem não esquece a terra que lhe deu guarida por tantos anos. Mas é assim com
todo mundo. O umbigo se entrelaça com os arredores em que tecemos nossas teias,
fazendo mais, fincando raízes que jamais são arrancadas quando partimos. Sempre
fica um naco para fazer elo com as boas lembranças.
Mas se é preciso ir, que se vá, mesmo que não tenha volta. O
que importa são os ecos do que deixamos, eles vão bater e rebater nos paredões
do tempo, nos chamando de volta, mesmo que nossos ouvidos sejam moucos e façam
pouco, pois, por melhor que tenha sido, novos muros querem ouvir nossa
existência e terras virgens esperam que finquemos raízes. É a lei da vida e,
quem fica parado é poste. Não há como saber o que há além das águas se não
levantarmos âncora e partir para além do que nossos olhos ou imaginação
consegue ver, e, como já disseram Roberto e Erasmo, além do horizonte deve ter
algum lugar bonito pra viver em paz...
Por Clóvis de Almeida
2014/2022

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