quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Estátua de São Francisco tira cocô do olho

Um sol de estalar mamonas e Francisco continuava em pé com os braços cruzados e as mão viradas para cima. Não sei se rogando preces ou olhando para cima tentando adivinhar quando vai chover.

Assim o vejo todos os dias. Mas, hoje, aconteceu o impossível: A estátua de São Francisco lá na praça se mexeu. Eu vi!
Foi quando um bem-te-vi, desses grandes, pousou-lhe na testa e fez um cocozão bem no olho direito. Bem na hora em que eu olhava pra Francisco. Ele olhou de cima, baixando um dos olhos e, pensando que não havia ninguém olhando, fez bico com a boca, mirou no pássaro e assoprou para espantar o bichinho, que voou com jeito de quem estava aliviado de um peso enorme.
Mas o cocozão ficou, tampando um olho do Santo.
Francisco continuou incomodado e, ainda achando que estava sozinho na praça, mexeu o braço direito e com a mão e limpou o serviço do passarinho, jogando no chão a meleca que lhe impedia de ver direito.
Olhei dos lados e não vi mais ninguém para que eu não pudesse mentir sozinho. Não havia outra testemunha. Só eu e Francisco sabemos que ele se mexeu para tirar um cocô de bem-te-vi. Até eu me mexeria se fosse uma estátua cagada.
Num rompante de surpresa e maravilhado com algo tão inusitado e impossível até aquele momento que só eu vi, gritei para a imagem:
— Ô Francisco! Eu vi tudo, mas só consegui fazer uma foto. Já pensou eu filmando isso? Você não faz de novo?
Foi quando ouvi uma voz:
— Falando sozinho, moço?
Era uma senhora que passeava com um urubu no ombro e um macaco amarrado numa cordinha.
De nada adiantaria contar a história pra uma maluca. Me virei e dei um passo para sair, quando ouvi a velha dizer:
— Viu que doido, Chiquinho? É cada um que me aparece...
Fui embora. Vai que o bem-te-vi me caga também...

Mapa pra lugar nenhum

Sempre carrego num bolso um mapa que não leva a lugar algum.

Já cansei de percorrer os caminhos que ele assinala, mas não me canso de insistir nos seus roteiros.

Embora eu saiba como termina cada destino, teimo em insistir, cada dia em uma rota, embora seja a mesma de outras vezes.
Repetir os caminhos não me fazem mais tolo, nem significa que sou teimoso. É apenas a única saída por não haver outra opção, a não ser os mesmos caminhos de sempre.
Já me disseram que a vida é assim mesmo. Eu não acredito, por isso tento me fazer crer que possa haver algo novo no depois de agora.
Talvez a novidade possa surgir na próxima esquina. Pensar nisso é o único remédio que encontrei para fugir da mesmice do ‘todo dia a mesma a coisa’.
É possível que, em alguma curva, exista alguém com um mapa que me leve a algum lugar que me faça melhor. Mas precisa ter destinos que eu nunca tenha ouvido falar, porque dos que já ouvi, todos são chatos e estão no meu mapa de bolso, incluindo o cemitério, o céu e o inferno.

Não sei

Não sei você, mas eu tenho um monte de perguntas.

Para cada uma delas, dois montes de não sei.

Em cada não sei, três não vi e para cada um desses, quatro sei lá.

De um lado ainda tem dezenas de talvez e, do outro, duzentos quem sabe?

No fundo, é só uma pergunta: por quê?

No raso, são mais duas: quando e onde?

Mas sempre levo de carona uns cinco Como?

Claro que não esqueço uns dois quais e uns cinco quem.

Tem quem se preocupa com quanto. Mas eu acho mais bonito um não sei, bem grande, por isso tenho dois montes.

Quem sabe, talvez, alguém tenha algo do mesmo tamanho para trocar. Pode ser um é possível. Esse anda em falta e no momento não tenho nenhum no estoque.

Só não me venha com sei lá, porque isso é o mesmo que não sei. Coisa que já tenho dois montes.

Essa eu já sabia

Sabe aquele jornal que nunca traz nada que você já não esteja sabendo? Assim também são aquelas pessoas que nunca lhe somam nada. Convivem com você, estão todo tempo ao seu lado, usam tudo o que você compartilha com elas, mas nunca retribuem. Ao contrário, quando abrem a boca é para dizer que nada sabem, espalhando no ambiente uma vastidão de nada. São os sugadores de energia que nos passam apenas a sensação de estarmos sozinhos, embora acompanhados.

Assim como o jornal que repete o que você já viu em outro lugar, as pessoas vazias são cheias repetições que nunca lhe fazem bem, mesmo que você não perceba. Os prejuízos são a perda de tempo e os aborrecimentos pelos minutos ou horas que lhe tomam com assuntos que em nada contribuem com o seu dia.

Todo mundo conhece alguém que, quando aparece, de longe já vem o pensamento: “era é só o que me faltava...”

E lá vem aquela pessoinha detestável desfilar um rosário de bla-bla-bla interminável. Elas parecem possuir um grude, uma cola, que gruda na gente, difícil de descolar. E lá vai a vassoura de ponta cabeça para trás da porta, mas nada da visita ir embora. Quando a abordagem é na rua, pior ainda. O relógio não anda, a hora não passa e a colegagem não dá sinal de falar tchau. E dê lhe histórias que você já conhece de cor e salteado, igual àquela porcaria de jornal que só publica coisas que você já viu na internet. Como diria a personagem de novela: Haja Deus!

Eu diria: Haja saco!

Mas, como tudo o que é ruim pode ser piorado, pior do que isso é se o chato (o chata) for você! Já pensou nisso?

Há pessoas que sabem que são chatas, porém, quando descobrem já não há mais como mudar. Alguns tipos de chatices não têm cura, por mais que se queira curar.

Nesses casos, só há uma saída: aceitar para doer menos. Assim, se esse for seu caso, aceite. E, como não dá para mudar, faça o contrário que é pra marcar território: tente o possível para ser cada vez mais chato. Já que nunca se lembram de você como uma pessoa legal, faça tudo para ser inesquecível como a chatice em pessoa. Talvez você ganhe o prêmio de chato (a) do ano!  Não seria legal?

Eu estou tentando, mas vou te contar: até pra chato é difícil ganhar alguma coisa.

Mas, lembre-se: mesmo ganhando um campeonato de chatice você nunca conseguirá ganhar da inutilidade daquele jornal que só publica o que você já sabia.

Será que é assim?

Passei sobre o passado passando como se fosse um só passo.

Apenas um passo é o que a vida nos parece no presente.

Presente que, como o passado, parecia que nunca passaria.

Como o vento de chuva que traz e leva as gotas embora, o hoje passa a ser ontem do mesmo modo que o dia se torna noite.

Dizem que o amanhã não existe, porque quando chega já é hoje.

Assim, aguardamos um dia que nunca vamos viver.

Não, não é um truque de palavras, mas uma dúvida que nem a mais sábia cigana pode enxergar na bola de cristal.