sábado, 5 de março de 2022

Agradar defunto é coisa de faraó

 O homem sempre teve a falha de reconhecer valores depois que já não conta mais com eles. É assim com propriedades, objetos e, principalmente, com o semelhante. Chegam a fazer piada com a própria falha, ao dizer que “todo mundo fica bonzinho depois que morre”. Isso se dá porque, depois que um indivíduo morre, seus valores se sobressaem sobre seus defeitos, em alguns casos. Em outros, permanece a tradição de que “não se deve falar mal de quem já morreu”.

Assim, após a morte, vem os discursos bonitos, solenidades póstumas, fotos que fazem saltar virtudes e até estátuas, sem falar nos mausoléus, museus, nomes de ruas, praças e dezenas de outros tipos de homenagens à memória do defunto.

Existe uma lei que proíbe homenagear gente viva dando seus nomes a locais públicos. Mas não é para proibir a homenagem em si, mas para evitar que os políticos homenageiem a si próprios. Não fosse isso, teríamos mais homenagens para pessoas ainda em vida, o que seria o politicamente e humanamente correto. Não que política não seja humana, mas é que as duas coisas nem sempre estão juntas, num país de tanta corrupção.

Ainda não há uma certeza do que ocorre após a morte. A ciência não tem respostas e a fé se encerra, ou inicia, na religião ou na subjetividade de cada um. Dizer que o homenageado morto assiste e recebe a homenagem, “de onde estiver”, é discutível, e falar em homenagem à memória é uma coisa vaga que fica restrita apenas ao pensamento dos que fazem a homenagem, ou seja, em lugar nenhum, porque depois da solenidade, cada um cuida de sua vida e o morto é, na maioria das vezes, esquecido para sempre.

Muitas homenagens são mais do que esquecidas, são decepadas da história e jogadas na lata do lixo. Prova disso são as estátuas de políticos derrubadas ao longo do tempo, quando já não se cultua mais a idolatria, principalmente nas mudanças de regime, como as derrubadas dos bustos e estátuas completas de Franco, na Espanha, e de Lênin e Stalin na Rússia. O próximo deve ser Kim Jong-um, com toda a família, da Coreia do Norte, ou Fidel Castro de Cuba.

No Brasil, há exemplos vários em muitas cidades, onde pessoas que um dia foram personalidades homenageadas, hoje são placas no ferro velho, porque, simplesmente, mudaram o nome da rua, da praça ou do bairro, para fazer homenagem a alguém do tempo atual.

Em Assis Chateaubriand temos um exemplo clássico do desrespeito com a memória nacional, feita pela própria Câmara Municipal, em 1989. A praça circular em frente ao Banco do Brasil tinha o nome em homenagem ao mártir da Independência, o grande Tirandentes. A mudança relegou aos trapos a história e homenageou um pioneiro, o português Manoel Clemente. Nada contra o seo Manoel, um grande chateaubriandense por adoção, mas ele poderia ser homenageado com outro logradouro.

Porém, para o azar da memória do português, ele também foi esquecido da homenagem, não oficialmente, mas pelos políticos, pelas administrações municipais, pelos vereadores, pela mídia e pela própria sociedade, quando, por osmose, mudaram o nome para Praça dos Pioneiros, só por causa dos colonos representados em uma armação de ferro, no centro da praça, armação essa que também sumiram com ela para dar lugar a um chafariz. Vamos ver quanto tempo ele fica com água. 

Como diz o francês, c'est la vie, que, na tradução literal significa “é a vida”, mas que pode ser entendido como “é assim mesmo”.

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