sábado, 5 de março de 2022

Deuses dos pobres

 “A notícia existe porque existe o crime”. Esse é um chavão utilizado pela maioria dos apresentadores de programas de televisão que buscam audiência e retorno financeiro nos cotidianos das cidades, onde o crime deixa de ser uma ferida da sociedade para formalizar mais um produto vendável, como simples mercadoria de uma grade de programação, ou mero entretenimento de gosto duvidoso.

No rádio não é diferente. Alguns dos ditos repórteres policiais copiam os chavões dos apresentadores de TV de grande audiência e procuram seguir as receitas de maledicências e conceitos já prontos e sabidos sobre a atuação marginal que retratam em seus shows. Pouco se cria, tudo se copia.

Não é de hoje que os programas que exploram as mazelas alheias fazem sucesso junto às diversas camadas sociais, principalmente nas mais pobres, onde a cultura beira as raias do analfabetismo de uma maneira geral. Os programas de auditório são um misto de diversão com sala de aula, onde a plateia é manuseada por cartazes de “aplausos”, ao mesmo tempo em que recebem “aula” do apresentador. Este por sua vez, faz vezes de professor de Deus, como se fosse um salvador da pátria para todos os problemas, fingindo ser conhecedor de leis, guardião da moral, dos bons costumes e defensor das famílias. Na busca de pontos por audiência, proferem ofensas à marginalidade humilde e fazem vistas grossas às grandes feridas do país, residentes na corrupção de políticos e nos grandes cartéis de drogas.

“Vagabundo”, é o carimbo comum com que costumam tachar todo infeliz que cai nas mãos da polícia. Inocente ou não, o julgamento sai em primeira instancia dos microfones, desde que o “preso” não seja rico ou influente. Caso tenha poderio financeiro ou apadrinhamento, sabe um deus lá de quem, ninguém fala nada. Quando falam, usam do eufemismo. Se falar a verdade, morre.

Bandido pobre e ignorante mostra a cara porque não tem ninguém para dizer-lhe que ele não é obrigado a dar entrevista. Bandido rico só é filmado em frestas de portas e janelas, quando os cinegrafistas fazem peripécias circenses para conseguir um mínimo de imagem e, assim, borram a cara do sujeito para não serem processados.

O crime organizado tem poderes que até o próprio Poder desconhece, mandando matar qualquer um que atravesse os seus caminhos.

Se o Estado tivesse controle do crime, os falsos profetas da mídia não seriam os heróis que tanto encantam a plateia nacional, posando de mocinho e, na tela, só seria posto aqueles que colaboram para a cultura e crescimento das comunidades, sem apelação e sem a conhecida frase: “A notícia existe porque existe o crime”. Acabar com o crime é utopia, mas noticiá-la com ética é questão de cultura e privilégio dos verdadeiros profissionais da comunicação.

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