sábado, 4 de junho de 2022

Chocolates e lombrigas

Passei muita vontade de comer esse tal de Galak lá pelos anos 60. Tudo que minha mãe podia comprar era paçoquinha ou uma maria-mole. Eu juntava litros e garrafas vazias para vender e comprar doce. Saia pedindo nas casa, mas em cada uma tinha um moleque fia da puta que fazia o mesmo: "eu tamém tô juntano pra comprar paçoca". Era só o que dava pra comprar. Galak era doce de rico. Além de garrafas, eu juntava lombrigas, de tanta vontade de comer um chocolate daqueles. Eu sonhava com a merda do Galak, chegava a ter febre de tanta lombriga. As garrafas eu vendia, mas as áscaris lumbricoides só saiam à força, de metro.

Quando recebi meu primeiro salário, anos depois, comprei uma dúzia de Galak, sentei debaixo de uma árvore e pensei: agora eu te pego, doce fio duma égua.
Não era o que eu pensava e até hoje odeio Galak.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Minha primeira câmera


Hoje está muito fácil fotografar. Basta um telefone celular com câmera e, clic! Fazer clique na câmera já era fácil nos anos 70, complicado era sair fotografando com os altos custos da revelação dos filmes. Em preto em branco era caro, colorido então, era o olho da cara. Esta da foto é a Kodak Xereta que vinha com um flash descartável para quatro cliques. Era um saco ter que esperar uma semana para ver as fotos, que, na maioria das vezes, ficavam uma bosta. Tudo preto, borrado, sem foco ou com as cabeças cortadas. Abrir os envelopes com as fotos reveladas era sempre uma emoção que, na maioria das vezes, era motivo de decepção.
Mas valia a pena. Tenho retratos com uma Xereta guardados até hoje.
Minha primeira câmera foi uma Ansco, fabricada nos anos 60. O primeiro filme perdi todinho. Assim que acabei de fotografar as 12 poses do filme (127), abri a câmera e desenrolei o rolo para ver como tinham saído as fotos. Ninguém havia me avisado que filmes só podem ser abertos em quarto escuro de laboratório. Como não vi nada, enrolei novamente e o levei para revelar. O japonês do foto me entregou como estava, afirmando: "Filme queimado. Não pode tira do máquina. Trás que gente tira e não estaraga, né?
Fazer o quê? Fui embora com uma tira preta e com cara de idiota. O duro seria explicar pra minha mãe o que tinha acontecido. Seria, porque eu nunca contei. Quando ela perguntou onde estavam as fotos, eu respondi prontamente: O burro do japonês estragou tudo!

Só pra contrariar

Continuam as tentativas para uma linguagem neutra, não binária, em que não haja diferenças entre tratamentos masculino, feminino e outras definições que não vai caber aqui. Escrevo já há mais de quatro décadas e só quem escreve é que sabe o que é assassinar a Língua Portuguesa. Porém, é preciso lembrar que não se trata de uma neolinguagem. As tentativas de mudanças para uma fala que busca igualar masculino e feminino vêm desde os tempos em que o Latim ainda estava em formação. Remonta a Sócrates, que era gay. É possível que aconteça uma unificação que atenda às diferenças de gênero.

Entretanto, o que mais me incomoda é que ninguém lê mais nada além de títulos. Se ficasse apenas nisso estava bom. O pior é que além só lerem mal e porcamente os títulos, já saem dando pitacos contrários. A moda agora e ser contra qualquer coisa.

O filósofo Jean Jacques Rousseau disse uma frase interessante que explica esse comportamento: "Sabe-se a que ponto o ódio fascina os olhos". Ele estava explicando que, para julgar corretamente as pessoas, é preciso manter-se igualmente afastado dos preconceitos e das paixões relativas ao objeto do juízo. Então, não é inteligente, nem educado, opinar ou querer interpretar algo de que não se tem pleno conhecimento. E o que mais se vê é comentários absolutamente desconexos do assunto tema, ou simples frases que não concordam com as afirmações ditas, por simples falta de entendimento, ou pelo prazer de não concordar.

Há ainda os que discordam de qualquer coisa só porque não gostam de quem escreveu. Estes são os invejosos da pior espécie, pois, na falta de competência, buscam substituir suas fraquezas num ato mesquinho de tentar ofender, como se isso diminuísse o talento ou a inteligência de alguém. São uns coitados que vivem apanhando de si mesmos na escuridão da Caverna que Sócrates descreveu à Glauco. Só verão a luz quando um raio cair sobre suas cabeças.

Estamos diante de uma geração maravilhada com um mundo que lhes dá alternativa demais, em questão de dias. Assim, alguns se acham conhecedores de tudo e de todos, só pelo fato de terem um mundo nas mãos, através de um telefone. O ruim é que a maioria não sabe o que fazer com tanta informação e, muitas vezes, provocam confusões por causa de uma ignorância funcional, aquela que nos faz julgar o que nem mesmo vimos, ouvimos ou sentimos. Nós, os com mais de 50, tivemos tempo de degustar e deglutir cada invenção. Do cantar do galo para o rádio foram séculos. Do rádio para a televisão demorou mais de 30 anos, três gerações. Da TV para o Youtube se passaram 77 anos! Foram quase 8 gerações. O primeiro disco popular de vinil surgiu em 1948. Somente em 1979, os jovens puderam ouvir músicas num fone de ouvido pelas ruas, nos famosos Walkman. Um espaço de 31 anos!

A partir de então, a tecnologia começou a andar cada vez mais rápida. O Walkman era na fita cassete, que foi engolida, junto com vinil, pelo CD, em pouco tempo. O pendrive substituiu esse último e o aparelho de telefone celular é a última palavra no momento em som e imagem. Toda semana tem lançamentos de aparelhos mais modernos. Mal se comemora o tal do 5 G e os cientistas já trabalham no desenvolvimento do Beyond 5G, algo muito superior à última tecnologia. O futuro já chegou para muita gente e tanta tecnologia dá um nó na cabeça da moçada.

Mas não é só isso. Antes, os jovens sonhavam ser advogados, médicos, engenheiros e outras profissões que enchiam os pais de orgulho. Hoje, o sonho da maioria é fazer sucesso nas redes sociais com a produção de conteúdos. Ou seja, está todo mundo num caminho que não depende só de estudo e conhecimento, mas de um complexo que precisa reunir várias habilidades ao mesmo tempo. E isso nem todo mundo tem. Mas, já que há a oportunidade, não custa tentar. Quem sou eu pra dizer o contrário?

Texto de Clóvis de Almeida 2022