terça-feira, 12 de julho de 2022

Quando as letras eram pesadas

Duas toneladas. Era o peso da máquina de escrever que se usava em jornais até o fim da década de 1970. Quem pensa que é um exagero ou mentira de pescador engana-se. Não estou falando da máquina do redator, mas da que fazia as bases de impressão, os chamados lingotes de escrita. Eram barras de uma liga de chumbo, estanho e antimônio, de várias medidas, que compunham apenas uma linha de coluna, pesando até 200 gramas, a mais longa. Linotipo é nome do trambolho, que hoje é peça de museu.

Tive a oportunidade, pra mim uma satisfação, de trabalhar numa dessas máquinas, quando ingressei no meio de imprensa. Era 1976 e o mundo da impressão gráfica já havia tido uma gigante revolução, mas os jornais do interior ainda utilizavam equipamentos fabricados 50 anos antes.
Os lingotes nasciam a partir de uma caldeira que derretia a liga, feitos de matéria prima nova ou das barras já usadas. Ficava ao lado esquerdo do operador, na base da perna. A alta temperatura “cozinhava” a gente. O barulho do motor que redistribuía as fontes de letras, feitas em latão, deixava os ouvidos doendo e a cabeça zunindo, ao final de um dia de trabalho.
Por vários anos montei milhares de páginas com o pesado material. Eram quarenta quilos cada uma. As fotos pesavam menos. Chamavam-se clichés, uma chapa de alumínio colada numa base de madeira. A impressora era ainda mais pesada que a linotipo. Três toneladas, no mínimo. O impressor trabalhava em cima dela, quase como num trator, passando folha por folha.
O vai e vem do carrinho de impressão produzia um barulho muito grande. Maior ainda era a vibração se espalhando pelo chão e incomodando a vizinhança que dormia na madrugada, enquanto o jornal era impresso.
Era muito trabalhoso produzir um jornal naquela época, por isso a maioria dos jornais do interior só circulava a cada 15 dias, ou no máximo uma vez por semana.
Era comum a gente almoçar e jantar na oficina do jornal durante a produção das edições especiais, com números de páginas além do normal. Geralmente uma marmita acompanhada de um refrigerante. Nas madrugadas, o editor-chefe chegava com sanduíches de carne e uma Coca-Cola pra cada um da equipe em serviço. A Coca era pra tirar o sono, dizia ele. Até hoje, tenho saudade daquelas “farofadas” e nunca mais se fez refrigerantes tão saborosos. Era o momento. Bons tempos de aprendizado, de amizade e de juventude.
Não bastasse a trabalheira de uma semana inteira na lida da produção, lá íamos nós, pessoal da redação e da gráfica, distribuir o jornal “quentinho”, nas madrugadas do sábado. Era um prazer indescritível entregar nas mãos dos leitores um produto feito com tanta dedicação e carinho. Era como mostrar um filho com o orgulho de um pai que diz: Olha o que nós fizemos!
Hoje, temos computadores que facilitam tudo, mas, o mais importante é a bagagem que cada profissional trás na mala de experiências, novas ou velhas. Sem isso, o computador só serve para fazer cópias de quem tem história pra contar.
(Clóvis de Almeida)

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