sexta-feira, 29 de julho de 2022

Radialista já foi artista

*Antiga vila do Zé Lulu

O rádio já não é mais o mesmo, assim como os radialistas são simples mortais agora.

É, mas houve um tempo em que locutor de rádio era personalidade tão importante quanto cantores de sucesso ou artistas da televisão. Davam até autógrafos e não faltavam convites para almoços de domingos e festas todos os fins de semana. Sem contar que os mais conhecidos ganhavam bolos, e até leitoas, todas as semanas.
Perdi a conta de quantas vezes recebi pão caseiro, melancia, doces e outras coisas deliciosas. Mas não era só isso, de vez em quando, alguém mandava dinheiro nos envelopes com pedidos de músicas. Naquela época, eu fumava e o dinheiro do vício era bancado com as notas que vinham pelas cartas. “Vai cartinha cheirosa, no bico do beija-flor, vai dizer ao Clóvis de Almeida que me atenda por favor”, dizia a correspondência da ouvinte, acompanhada de uma nota de 10 contos. Era uma alegria. E a gente atendia com o maior carinho. Fazia feliz o ouvinte e garantia mais “déizão” na outra semana, além de dar o exemplo pra outros ouvintes.
Uma vez, me mandaram um panelão de arroz doce. Fiquei com medo que fosse feitiço e deixei que os colegas comessem, a rádio toda comeu, não morreu ninguém. Eu passei vontade e ainda tive que lavar a panela pra entregar à dona, que a mandou buscar no dia seguinte.
Não faltavam convites para futebol no interior do município. Todas as comunidades queriam a presença do time da rádio. E quase todos os fins de semana lá estávamos nós, um bando de pernas-de-pau disputando com o time da casa. O bom de tudo é que havia almoço e bebida, de graça, bancados pela comunidade que nos convidava. Era comida farta e da boa. Não tinha meia dúzia de latinhas não, eram caixa de cerveja pra gente se empanturrar junto com frango e leitoa assada. O povo era bão dimais!
Zé Lulu (foto), Encatado do Oeste, Nice, Bragantina, Azaury, Terra Nova, Rio Branco, Ramal Pimenta, Balú, Silveirópolis e todos as demais comunidades nos recebiam com muito carinho.
Nas segundas-feiras, os assuntos de todos os programas eram os comentários sobre o jogo e almoço do sábado anterior. Sempre tive a impressão que eles nos deixavam ganhar os jogos. É que se agente perdesse, nenhum locutor comentaria nada. Eram “alôs” que não acabavam mais nos programas do Ary Silvestre, Afonso Carlos, Zé Costa, Clóvis de Almeida, Barbosa Filho e Manoel Neves. Sem o contar o programa de esporte, onde a segunda era dedicada à festa do fim de semana. E era muito bom. Até o Abílio Borges falava do assunto na Hora da Ave Maria.
A gente não andava um passo na rua sem ser reconhecido. Certa vez, umas fãs quiseram rasgar minha camisa quando saí do Cine Avenida após apresentar um festival de calouros. Tive que ser acudido por outras pessoas que serviram de seguranças improvisadas.
Hoje, esse glamour não existe mais. Radialista é simples mortal e basta montar uma rádio web para ser radialista, virou carne de vaca e perdeu a graça, apesar de a profissão ser tão digna quanto antes.
Felizmente, ainda podemos perceber o reconhecimento de nosso trabalho por muitos ouvintes, que manifestam carinho todas as vezes que nos encontram, pelos quais serei eternamente grato.

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