
1976
Nos meus tempos de menino, o
caminho da volta da escola pela Avenida Tupãssi empoeirada tinha uma parada
obrigatória todos os dias: A Farmácia Estrela do seo Ivo Müller e dona Dalva.
Num dos cantos de entrada, uma vitrola daqueles tempos rodava sem parar um dos
discos do humorista Barnabé. Decorei todas as suas piadas, que até hoje são
repetidas por novos humoristas. Penso que o show de humor gratuito era uma
estratégia para atrair a freguesia, que se juntava numa estreita faixa de
calçada sem calçamento. Era terra mesmo. Os meninos se sentavam na soleira da
porta do salão de madeira e todos riam com as trapalhadas do caipira que não
nunca veio em Assis. Morreu cedo, em 1968, de ataque cardíaco, enquanto fazia
show num circo. Um irmão dele deu sequência na carreira, mas não com a mesma
graça e sucesso. Outros o imitaram, mas sem fazer rir como o original fazia. Um
deles foi o chateaubriandense Agenor Barbosa, antes de adotar o nome artístico
de Paulo de Paula, que fazia shows pela região
com o nome de Barnabézinho.
A Assis dos anos 60 e 70 era uma
rota de artistas que se apresentavam no Oeste do Paraná. Por aqui, pernoitaram
muitos nomes famosos nas pensões e hotéis simples de uma cidade que crescia sem
parar, mas não tinha asfalto. A chuva e o barro seguravam os viajantes até por
semanas. Muitos “medalhões” fizeram suas cantorias nos bares da cidade, de
graça, tomando cachaça, enquanto a chuva caia. A zona do baixo meretrício,
conhecida Casa das Primas, também era ponto dos artistas. Nem sempre para
cantar. O antigo Bar Tupãssi e muitos outros foram palcos de Brasão e
Brasãozinho, Liu e Léo, Tião carreiro e Pardinho, Pedro Bento e Zé da Estrada,
Belmonte e Amaraí, Mococa e Moraci, Léo Canhoto e Robertinho, Milionário e Zé
Rico e, até Teodoro, ainda sem o Sampaio.
Léo Canhoto e Robertinho fizeram
um show em um circo armado no local onde hoje está a torre da Telepar. Ficou
gente pra fora, tamanho o público que foi assistir à peça teatral da música
“Jack, o matador”.
Tonico e Tinoco se apresentaram
em outro circo, também no centro da cidade. Depois vieram em 1972, para a
campanha política do Almério, num show para milhares de pessoas, que ficou na
história de muita gente.
Boa parte das dezenas de artistas
que passavam por “essas bandas” não tinha fama e nem era artista de verdade. A
maioria fazia parte da turma de picaretas que rodava o Brasil fazendo show de
rua ou dando calotes no comércio. A cada 15 dias tinha um “homem da cobra”
vendendo remédios homeopáticos em praça pública. Com um microfone sujo e
ensebado de cuspe, pendurado no pescoço, reunia gente chamando por um alto
falante jogado no chão. Enquanto demonstrava um produto num vidro, prometendo
“curar tudo”, batia com uma vareta numa caixa, dizendo que ali havia uma cobra
sucuri de 10 metros, um peixe elétrico ou um jacaré do pantanal. A multidão
curiosa esperava até o fim para ver a surpresa, enquanto um ou outro comprava o
remedinho com cheiro de hortelã, que não prestava pra nada. Quando o público
começava a esvaziar plateia, o homem que dizia ser representante de
laboratórios tirava um lagarto da mala e garantia que era um legítimo filhote
de crocodilo da Amazônia. Quando muito, mostrava um peixe elétrico que acendia
uma lampadazinha na ponta de dois fios que ele encostava no pobre bichinho. E a
plateia adorava aquilo. Coitado do peixe!
As rádios do interior sofreram
muito com os picaretas do microfone que passaram por nossa história. Vinham de
longe e ficavam alguns meses, tempo suficiente para comprar fiado no comércio e
sumir do mapa para sempre. Anoiteciam e não amanheciam, deixando um rastro de
contas a pagar, de boteco à loja de móveis, passando pelo hotel e a mercearia
que ficavam a ver navios.
O primeiro exemplo foi o próprio
gerente que inaugurou a rádio Jornal, em 1978. Um tal de Lima veio de Brasília,
a Capital, e levou embora uma Brasília novinha, o carro. Carregou ainda na
mudança a mobília toda de uma casa montada, comprada no crediário e garantido
pelos donos da rádio, que, além de perderem o automóvel do ano, tiveram que
pagar as lojas, o mercado e o aluguel do malandro que anoiteceu e não
amanheceu.
Tem ainda a passagem de um
conhecido locutor vozeirão, bom de microfone pra caramba, que se associou a
outro picareta local, metido a cantor. Ambos “bolaram” um festival de calouros
e no dia do show fugiram com a grana dos ingressos, assim que o salão paroquial
lotou de gente.
Outro, muito bom noticiarista,
veio de longe pra aplicar o velho golpe da pomadinha. Num vidrinho de remédio
injetável, que recolhia no lixo de farmácias, ele colocava vaselina líquida e
vendia a idosos como excitante sexual. Ele abordava os velhinhos (e alguns
jovens), dizendo que o era só passar o remedinho no bilau e viver horas de
prazer com o moral “alto”. Dezenas de trouxas acreditavam e o malandro vendi
vaselina que nem água no deserto. Afinal, era um locutor da rádio que estava
vendendo, palavra que tinha crédito. Pior é que ouvi depoimentos de que o
negócio funcionava mesmo. E não adiantava dizer à vítima que o efeito era só
psicológico.
Em fim de ano chovia locutor de
tudo o que era canto vendendo mensagens de Natal. Os caras já traziam os textos
prontos, gravados em um rolinho de fita de rolo, que só rodava na rádio e numa
fitinha K7 para mostrar aos lojistas. Era difícil uma vítima que não comprava.
Quem pensa que os picaretas
acabaram, engana-se. Mas isso é história pra outro dia.
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