domingo, 4 de dezembro de 2022

Nada de nada

O nada não é nada

O nada nunca é nada

Por isso não sei de nada.

Não existe um pouco de nada

Não há um nada completo

Nada é cheio de nada

Nada é nada.

Nunca vi a cor do nada

Não senti o cheiro de nada

Nem nunca comi o nada.

Ainda não vi o nada

Porque nada sai do nada

Por isso não tenho nada

Acho que nada não existe.

Por isso não sei de nada.

 

Clóvis de Almeida

Ouvindo Raul

Eu sou a mosca que perturba o seu sono
Não a do Raul, mas a sua mosca.
Aquela da metamorfose
Não a ambulante, mas a que mora na sua consciência.
Eu sou a mosca que pousou na sua sopa.
Não a da canção.
Mas a da opinião que você pensa que tem sobre tudo.
Eu sou a mosca.
Ou não sou nenhuma,
porque você mata uma e ela se junta às outras, fantasmas
zumbizando seu juízo. Juízo mal feito que
você fez, opinião errada  formada  sobre tudo.
Sobre o que é a razão, sobre o que você nem sabe o que é.
Eu sou a mosca que perturba o seu sono.
Sou o zumbizar que você ouve quando o sono se vai.
Sou a nuvem escura que enegrece sua velha opinião.
Eu sou a mosca que confunde sua existência.
Sou a mosca da bola de cristal que você comprou de um camelô,
Vizinho do sábio faraó que repousa nos livros da estante, ao
Lado de Dom Quixote.
Sou a mosca, mas, se chamarem, diga que eu saí, sem
Saber se é hora de sair ou de chegar.
Tudo é tão estranho que não sei como explicar.
Eu sou a mosca, sou você.

Estou me rifando para casar

Sou um rapaz de bom caráter, bonito, garboso, com todas as perfeições físicas que podem agradar qualquer mulher. Porém, não tenho dinheiro para o casamento. Por isso, me ofereço da seguinte maneira: Vou fazer um sorteio da minha pessoa num concurso de rifa com 600 números, onde podem concorrer solteiras, donzelas e viúvas, com menos de 32 anos de idade. O preço de cada bilhete é de mil reais. A feliz ganhadora terá direito à minha pessoa e ao prêmio da rifa, sendo que, para receber o dinheiro terá que me desposar primeiro. Os bilhetes estão à venda na casa de loterias no centro da cidade.

O anúncio acima foi publicado no jornal “O Spectador Brasileiro”, do Rio de Janeiro, com data de 05 de julho de 1824, com o título original de “Casamento por uma rifa”.

Como não é assinado por ninguém e com um chapéu de editoria nominado “Micelâneas”, é bem provável que seja uma brincadeira, ou “pilhéria”, como se dizia na época, um assunto publicado como “calhau”, texto qualquer para tampar um buraco a fim de fechar a página do jornal, já que foi estampado no final da última coluna.

Mas, chama a atenção pela ideia original. Nos dias de hoje, provavelmente não daria certo. Mas há 200 anos, quem sabe? Os casamentos tinham por obrigação o tal do dote, pago pelo pai da noiva. Assim, muitas moças pobres ficavam sem se casar por falta de dinheiro. E, se eram pobres, também não conseguiriam comprar a rifa, uma vez que o valor real pedido era de 20 mil réis, em 1824, algo em torno de 120 mil reais, no dinheiro de hoje, 2022.

O jornal de quatro páginas é a terceira edição do periódico publicado pela gráfica do governo imperial, com o objetivo de falar da vida diária do imperador Dom Pedro, de política, comércio e registrar fugas de escravos, algo comum na imprensa daquela época.

Fica a dica: está sem grana para se casar? Rife-se! Como sempre há uma tampa para uma panela, não vai faltar doida (ou doido) que arrisque um “zóio”. Vai que dá!

sábado, 3 de dezembro de 2022

Essa eu já sabia

Sabe aquele jornal que nunca traz nada que você já não esteja sabendo? Assim também são aquelas pessoas que nunca lhe somam nada. Convivem com você, estão todo tempo ao seu lado, usam tudo o que você compartilha com elas, mas nunca retribuem. Ao contrário, quando abrem a boca é para dizer que nada sabem, espalhando no ambiente uma vastidão de nada. São os sugadores de energia que nos passam apenas a sensação de estarmos sozinhos, embora acompanhados.

Assim como o jornal que repete o que você já viu em outro lugar, as pessoas vazias são cheias repetições que nunca lhe fazem bem, mesmo que você não perceba. Os prejuízos são a perda de tempo e os aborrecimentos pelos minutos ou horas que lhe tomam com assuntos que em nada contribuem com o seu dia.

Todo mundo conhece alguém que, quando aparece, de longe já vem o pensamento: “era é só o que me faltava...”

E lá vem aquela pessoinha detestável desfilar um rosário de bla-bla-bla interminável. Elas parecem possuir um grude, uma cola, que gruda na gente, difícil de descolar. E lá vai a vassoura de ponta cabeça para trás da porta, mas nada da visita ir embora. Quando a abordagem é na rua, pior ainda. O relógio não anda, a hora não passa e a colegagem não dá sinal de falar tchau. E dê lhe histórias que você já conhece de cor e salteado, igual àquela porcaria de jornal que só publica coisas que você já viu na internet. Como diria a personagem de novela: Haja Deus!

Eu diria: Haja saco!

Mas, como tudo o que é ruim pode ser piorado, pior do que isso é se o chato (o chata) for você! Já pensou nisso?

Há pessoas que sabem que são chatas, porém, quando descobrem já não há mais como mudar. Alguns tipos de chatices não têm cura, por mais que se queira curar.

Nesses casos, só há uma saída: aceitar para doer menos. Assim, se esse for seu caso, aceite. E, como não dá para mudar, faça o contrário que é pra marcar território: tente o possível para ser cada vez mais chato. Já que nunca se lembram de você como uma pessoa legal, faça tudo para ser inesquecível como a chatice em pessoa. Talvez você ganhe o prêmio de chato (a) do ano!  Não seria legal?

Eu estou tentando, mas vou te contar: até pra chato é difícil ganhar alguma coisa.

Mas, lembre-se: mesmo ganhando um campeonato de chatice você nunca conseguirá ganhar da inutilidade daquele jornal que só publica o que você já sabia.

 

Clóvis de Almeida 2022