sábado, 5 de março de 2022

O ato solene de beber o morto

 Nesta semana, a comum visita que se faz aos velórios foi assunto de rodinhas de conversas. Dizem que partiu de comentários de vereadores em plena sessão. A tradicional homenagem aos defuntos e amparo amigo aos familiares foi comentado pelo ato que muitos fazem em benefício próprio, pensando em apoio para uma candidatura qualquer, geralmente partidária de eleições municipais. Todos sabem ser uma prática comum que se avoluma em ano eleitoral. Se por um lado pode representar uma farsa sentimental do visitante, por outro pode ser uma simples prevenção para não correr o risco de perder um voto. Pelo fato de não possuir o costume de ir a velórios, um pretenso candidato estará sujeito a ser julgado por não aparecer nas homenagens póstumas de alguém importante de um bairro, onde, talvez, ele nunca tenha pisado. Pelo sim, pelo não, neste caso consola-se a família do finado.

Quando se trata de um ato honesto, temos mais é que reconhecer o sentimento de solidariedade e aplaudir. Mas quando o objetivo é usar o momento para se aparecer, a classificação mais simples é falta de caráter. Não dá para admitir que se faça uso da dor das pessoas em benefício próprio, tentando arrebanhar votos para uma candidatura.

Há estórias interessantes de bebedores de defunto em qualquer cidade. Muita gente sabe, já ouviu falar, de cidadãos conhecidos da maioria e “chegados” nos recintos onde se “bebem” os mortos, alguns até de altos cargos políticos. Muitos deles, nestas alturas, já “viram” o velório do lado de dentro do caixão. Conta-se que um deles, político conhecido e já partido dessa pra melhor, (ou pior, vai saber…) não perdia um velório, mesmo que nunca tivesse visto o moribundo antes. Num belo dia de chuva, que combinava bem com enterros, ele já havia ido a três velórios, em nenhum deixaram ele fazer o que mais gostava: ajudar a carregar o caixão. Os motivos eram os mesmos, parentes que vieram de longe. Na quarta tentativa, também lhe negaram a tão sonhada alça do esquife. Nervoso, ele respondeu à última negativa do dia com uma frase que agora é parte de sua história: vá pra puta que pariu com esse defunto!

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