Buscando meus guardados, encontrei uma das muitas histórias que tive o prazer de reviver escrevendo e, reescrevendo, com lembranças, que no primeiro momento não registrei.
Já vai longe o tempo em que a Avenida Tupãssi vivia cheia de carroças e charretes, fazendo da paisagem um quadro colonial, peculiar daqueles anos que podiam ser chamados de dourados. Os animais que puxavam aqueles carros, a maioria com rodas de madeira, fizeram registrar na memória de quem viveu aqueles tempos um detalhe à parte. Alguns estabelecimentos mantinham um “pau de amarrar cavalo" e ofereciam água em bacias aos animais dos fregueses.
No fim do dia, as estradas, ramais e carreadores do município eram enfeitados com carroças cheias de compras, sementes e ferramentas agrícolas. Machados, enxadas e foices, eram as principais.
Carros nas ruas eram poucos. Muito poucos. Mas, veículos de aluguel eram em números expressivos, como os táxis, que superavam a marca dos quase 50, me lembrou o amigo Nelson Costa, oficial de Justiça aposentado, que nos anos 60 foi taxista, fazendo parada na antiga rodoviária, no centro da cidade.
Mesmo com os mais de dez pontos de táxi espalhados na cidade, as mulheres da zona do baixo meretrício tinham seus próprios carros de aluguel. Elas preferiam as famosas charretes puxadas por animais, cobertas com toldos e com cocheiro particular. Esses carrinhos tinham um nome vulgar: puteiro. Embora fossem comuns no dia a dia da cidade, chamavam a atenção de todos quando transitavam pelas ruas transportando senhoritas maquiadas demais para os padrões da época e vestidas com roupas de domingo. As senhoras mais pudicas da cidade viravam o rosto para não ter que vê-las. Algumas mães cobriam os olhos das filhas mocinhas, para que não vissem a "pouca vergonha", como chamavam, desfilando na avenida. "Meu Deus, é o fim do mundo! A polícia tinha que impedir isso", dizia a maioria. Tudo o que as mulheres "da vida fácil" queriam era gastar o dinheiro que ganharam na famosa e frequentadíssima Vila Triângulo, mais conhecida como Zona. Elas representavam, por serem em grande número, um filão muito bom de freguesas. Pagavam à vista e compravam coisas caras, do bom e do melhor. Pano de chita era para o povo da roça e da cidade. Elas vestiam seda e se perfumavam com Cashmere Bouquet. Enquanto a gente tomava banho com sabão de soda, elas usavam o então caríssimo Gessy Lever.
O cheiro e os montes de cocô de cavalos se destacavam no traçado da avenida, mas ninguém ligava, pois faziam parte da rotina do povo. De vez em quando, uma mula desvairada se assustava com alguma coisa e saia em disparada, atropelando o que via pela frente, só parando depois de tombar a carroça, muitas vezes cheias de sacos de mercadorias que espalhavam linguiça, fumo, sardinha, farinha, fubá, carne seca e toda sorte de compras para a semana. Eram os acidentes mais comuns do trânsito.
Tanto quanto na Avenida Tupãssi, a Rua Riachuelo, que era a saída para os então distritos de Tupãssi, Jota Esse, Palmitolândia e Cascavel, também concentrava um grande número de carroças com seus animais tratores amarrados em frente aos diversos armazéns que se enfileiram dos lados da via, se estendendo até à Rua dos Pioneiros, que ainda não tinha o nome de avenida e tinha apenas uma pista.
Eu me lembro de pelo menos sete casas de comércio de secos e molhados, as chamadas vendas. Hoje, só restou a Venda do Zé Japonês, que sobrevive sob a direção da viúva do Zé, dona Luzia Hashimoto e seu filho. Uma tradição que merece uma homenagem especial pelos anos de existência, que já são mais de 60,atendendo a uma clientela que prestigia esse comércio tradicional de balcão.
Aos sábados e vésperas de feriados, a cidade parecia uma festa, com tanta gente que vinha do interior para as compras. As lojas vendiam aos montes. Era uma época de grande crescimento e esperança. Muitos lojistas fizeram fortunas, investiram em outras cidades e foram embora. A crise que se instalou no país com a geada de 1975 foi a gota d’água que faltava para a cidade levar uma freada na corrida que a fazia crescer. A chegada das máquinas nas lavouras e o fim do plantio de algodão e hortelã que geravam emprego acabaram de jogar uma ducha de água fria no progresso.
Era um tempo bom, quando, para mim, cada dia era uma aventura diferente. Se a movimentação do dia era uma festa, o cair da noite trazia uma paz indescritível. Não se via uma viva alma no escuro das ruas sem iluminação alguma. Apenas alguns bêbados procurando o caminho de casa ou caídos até o despertar do outro dia. No alto de algum telhado ou galho de árvore, uma coruja anunciava o toque de recolher para um silêncio que só seria quebrado com o trotar da mula e o barulho da carroça do padeiro. Em cima da cristaleira de minha mãe, na sala, o tic-tac do despertador Westclox marcava o início da madrugada que chegava no mesmo silêncio noturno, fecundo e sereno, que hoje não existe mais.
Por Clóvis de Almeida 2009/2022

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